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{Resenha} A Hora do Lobisomem — Stephen King

Livro: A Hora do Lobisomem

Título Original: The Cycle of the Werewolf
Autor(a): Stephen King
Editora: Suma de Letras
Páginas: 149
ISBN: 978-85-5651-040-2

Sinopse: O primeiro grito vem de um trabalhador ferroviário isolado pela neve, enquanto as presas do monstro dilaceram sua garganta. No mês seguinte, um grito de êxtase e agonia escapa de uma mulher atacada no próprio quarto. Agora, toda vez que a lua cheia brilha sobre a cidade de Tarker’s Mill, acontecem novas cenas de terror inimagináveis. Quem será a próxima vítima? Quando a lua sobe no céu, os moradores da cidade são tomados por um medo paralisante. Uivos quase humanos ecoam no vento. E há pegadas por todos os lados de um monstro cuja fome nunca é saciada.

Stephen King é autor de mais de cinquenta best-sellers no mundo. Os mais recentes incluem Mr. Mercedes (vencedor do Edgar Award de melhor romance, em 2015), Achados e Perdidos, Último Turno, Revival, Escuridão Total Sem Estrelas, Doutor Sono, Novembro de 63 e Sob a redoma (que foi adaptada como uma série pela CBS). Em 2003, King recebeu a medalha de Eminente Contribuição às Letras Americanas da National Book Foundation e, em 2007, foi nomeado Grão-Mestre dos Escritores de Mistério dos Estados Unidos.
    Tudo começa na primeira lua cheia do ano. Arnie Westrum, o sinaleiro da ferrovia de Tarker’s Mill, uma pequena cidade americana, ficou preso no barracão de ferramentas. O vento está forte, a neve está densa e o carro ficou emperrado na nevasca. Dessa forma, Arnie preferiu ficar dentro do barracão até a tempestade passar. Para matar o tempo, ele joga paciência. Era uma noite calma apesar da neve selvagem que caía. Mas o sinaleiro mal podia imaginar que algo ainda mais selvagem estava se aproximando do barracão. Foi a primeira transformação do monstro que, durante os próximos onze meses, iria aterrorizar os moradores daquela cidade.
    A segunda vítima do lobisomem de Tarker’s Mill é uma mulher solteira que sonha em encontrar um grande amor, mas suas chances não são boas, já que nenhum homem se sente atraído por ela – tudo por conta de seu peso. O dia em questão é o Valentine’s Day (dia dos namorados nos Estados Unidos). Stella Randolph está em êxtase preenchida pelo amor que a invade nessa época. É nesse momento que o lobisomem resolve atacar. Stella não sente medo, apenas se entrega ao gesto que insiste para si mesma que representa o amor – e isso lhe custa o último suspiro.
    Os assassinatos se repetem durante vários meses. Os habitantes de Tarker’s Mill estão cada vez mais apavorados e sempre que a noite da primeira lua cheia chega, eles se escondem dentro de suas casas e aguardam notícias da próxima morte. Porém, o que ainda desconhecem, é que o tal monstro está no meio deles – é um dos habitantes de Tarker’s Mill e está presente no cotidiano de boa parte da população. O lobisomem vaga pelas redondezas e transforma a pequena cidade num cenário de filme de terror. Mas será que a pessoa por trás do lobo tem consciência do que é e do que faz quando se transforma?
 


   Já me considero uma fã fiel do trabalho de Stephen King e não perco uma oportunidade de ler suas obras. Sempre me deparo com coisas novas e me surpreendo com sua capacidade de construir boas histórias, seja qual for o teor ou o método utilizado. Já passei por contos e romances, e todos me agradaram profundamente. Por isso, não deixei de me impressionar como, em tão poucas páginas, o escritor conseguiu me fisgar mais uma vez. A Hora do Lobisomem é uma história diferente das demais que levam a autoria de King. É o mesmo escritor, a mesma fórmula para envolver e o mesmo trato com os personagens e com a narrativa. Ainda assim, nesse ambiente de familiaridade, a história conseguiu ser mais do que eu imaginava – mesmo não sendo uma das melhores que li do autor até agora.


    A escrita envolvente de King é um estímulo para que o leitor mergulhe em suas histórias sem pensar duas vezes, e com este livro foi exatamente assim que aconteceu. Quando ele se dedica a descrever apenas os detalhes importantes para a compreensão da narrativa, pode-se perceber que seu foco é sucinto e objetivo – direcionando o leitor a sentir exatamente o que ele quer que sintamos. Quando não há descrições profundas acerca do literal e do emocional, a narrativa torna-se fria e crua – pronta para impactar o leitor a qualquer momento. São jogos que King estabelece durante o enredo e que acabam funcionando muito bem. A narração ocorre em terceira pessoa e é onisciente. Em cada capítulo há um foco narrativo. Dessa forma, a narrativa entra na mente dos personagens e relata, pelo ponto de vista de cada um, o que eles presenciam com o lobisomem que ronda Tarker’s Mill – sejam como vítimas ou observadores.

“A primavera voltou… e, este ano, a Besta veio junto” (p. 49).

    Uma das principais características dos thrillers de King são as artimanhas psicológicas. Quando o lobisomem é finalmente revelado, por exemplo, ele se vê numa situação complicada, pois não sabe o que fazer nem como se controlar, e tem que tomar algumas decisões. Pôr o leitor na ótica do monstro é algo raro, mas King consegue fazer isso com maestria, excluindo o teor investigativo da trama em prol das emoções que pretende despertar em seus leitores quando eles se veem frente a frente com o grande vilão – estar dentro da cabeça do antagonista é “estar do outro lado”. E essa é uma técnica que até hoje King utiliza – como já comentei na resenha da trilogia Mr. Mercedes.
     A cidade também é um elemento forte nos livros de King. Normalmente, ele trabalha com cidades pequenas (em sua grande parte, no interior do Maine, o estado onde o escritor vive) e trazer isso torna-se interessante, porque são os melhores cenários para se trabalhar quando o objetivo é não apenas construir os personagens, mas também fazer com que o lugar tenha uma espécie de “vida própria”. A influência de Tarker’s Mill (assim como Chester’s Mill em Sob a Redoma) é muito forte nos personagens. É como se eles fizessem parte apenas desse universo, sem conseguir se encaixar em nenhum outro lugar – e essa não é uma impressão difícil de se notar em ficções. Dessa forma, não há dissociação: dizer “Tarker’s Mill está aterrorizada” é como afirmar “Os habitantes de Tarker’s Mill estão aterrorizados”.

“A criatura se move devagar, as narinas largas se dilatando ritmicamente. Farejando a presa, quase com certeza farejando a fraqueza dessa presa. Marty consegue sentir o cheiro, os pelos, o suor, a selvageria. A coisa rosna de novo. O lábio superior grosso, da cor de fígado, se repuxa e mostra as presas. A pelagem está pintada de um vermelho-prateado fosco” (p. 71).

    Cada personagem tem sua própria personalidade que, em alguns, ficam marcadas até o final do livro. Em outros, é mais passageira. Por ser uma obra curta não há muitas possibilidades de trabalhar a construção e a evolução de cada um, portanto King apenas tange suas principais características e seus dramas de forma rápida mas nem por isso superficial. Alguns são mais difíceis de discernir que outros. O pastor da cidade, por exemplo, parece ter uma forma fixada de entender as coisas e sua visão nem sempre é muito clara. Já Marty, o que mais me encantou, é um dos personagens que mais se destacam, é um simples garotinho de dez anos cuja complexidade é passada em poucas páginas.
   Esta é a segunda edição que faz parte da Biblioteca Stephen King (a primeira foi Cujo), selo criado pela Suma de Letras. A ideia é publicar obras clássicas do escritor em capa dura (nesse mesmo estilo que pode-se observar nas fotografias) e com conteúdo adicional. Neste caso, a inovação foi com as ilustrações. Na obra original, elas já estavam presentes – feitas em 1983 por Bernie Wrightson, um dos desenhistas mais famosos dos quadrinhos (tendo trabalhado com King outras vezes e inclusive em séries do Homem-Aranha, Batman e Justiceiro). Antes, a única versão disponível no Brasil era pocket (de bolso), além de ser antiga. Hoje, a Suma investiu no trabalho das ilustrações, elevando assim, um dos pontos altos do livro, e convidou vários ilustradores brasileiros para mostrar – através dos desenhos – seus pontos de vista sobre a história. Ainda trouxe uma nova tradução e lindos destaques entre os capítulos. O livro está impecável e é um orgulho ter mais uma edição deste selo na estante.
    Apesar de ter apenas 149 páginas, A Hora do Lobisomem é daqueles feitos para serem lidos de uma só vez, como um grande conto. Com uma linguagem rápida e capítulos curtos, dificilmente é um dos livros mais aterrorizantes do Mestre do Terror, mas ainda assim tem a capacidade de surpreender os mais variados leitores – desde aqueles que já são inteiramente fãs de Stephen King, até os que nunca leram nada de sua autoria. Mesmo com as características descrições frias das carnificinas, pode-se considerá-lo um livro leve para os parâmetros de King. De qualquer forma, é difícil não mergulhar na história e não se deixar encantar pelas ilustrações que tornam tudo mais palpável – e até supre perfeitamente bem a ausência de maiores aprofundamentos no enredo.

Primeiro parágrafo: “Em algum lugar lá do alto, a lua brilha, gorda e cheia — mas aqui em Tarker’s Mill, um nevasca de inverno sufocou o céu com neve. O vento sopra com força pela deserta avenida Center; os limpadores de neve laranja da cidade já desistiram faz tempo”.
Melhor quote: “As nuvens se abrem. A lua cheia surge entre as remanescentes. O gelo que cobre a rua principal brilha como osso morto. Nessa noite, todos na cidade ouvem um uivo”.

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