{Resenha} A Hora do Lobisomem — Stephen King
Sinopse: O primeiro grito vem de um trabalhador ferroviário isolado pela neve, enquanto as presas do monstro dilaceram sua garganta. No mês seguinte, um grito de êxtase e agonia escapa de uma mulher atacada no próprio quarto. Agora, toda vez que a lua cheia brilha sobre a cidade de Tarker’s Mill, acontecem novas cenas de terror inimagináveis. Quem será a próxima vítima? Quando a lua sobe no céu, os moradores da cidade são tomados por um medo paralisante. Uivos quase humanos ecoam no vento. E há pegadas por todos os lados de um monstro cuja fome nunca é saciada.
“A primavera voltou… e, este ano, a Besta veio junto” (p. 49).
Uma das principais características dos thrillers de King são as artimanhas psicológicas. Quando o lobisomem é finalmente revelado, por exemplo, ele se vê numa situação complicada, pois não sabe o que fazer nem como se controlar, e tem que tomar algumas decisões. Pôr o leitor na ótica do monstro é algo raro, mas King consegue fazer isso com maestria, excluindo o teor investigativo da trama em prol das emoções que pretende despertar em seus leitores quando eles se veem frente a frente com o grande vilão – estar dentro da cabeça do antagonista é “estar do outro lado”. E essa é uma técnica que até hoje King utiliza – como já comentei na resenha da trilogia Mr. Mercedes.
A cidade também é um elemento forte nos livros de King. Normalmente, ele trabalha com cidades pequenas (em sua grande parte, no interior do Maine, o estado onde o escritor vive) e trazer isso torna-se interessante, porque são os melhores cenários para se trabalhar quando o objetivo é não apenas construir os personagens, mas também fazer com que o lugar tenha uma espécie de “vida própria”. A influência de Tarker’s Mill (assim como Chester’s Mill em Sob a Redoma) é muito forte nos personagens. É como se eles fizessem parte apenas desse universo, sem conseguir se encaixar em nenhum outro lugar – e essa não é uma impressão difícil de se notar em ficções. Dessa forma, não há dissociação: dizer “Tarker’s Mill está aterrorizada” é como afirmar “Os habitantes de Tarker’s Mill estão aterrorizados”.
“A criatura se move devagar, as narinas largas se dilatando ritmicamente. Farejando a presa, quase com certeza farejando a fraqueza dessa presa. Marty consegue sentir o cheiro, os pelos, o suor, a selvageria. A coisa rosna de novo. O lábio superior grosso, da cor de fígado, se repuxa e mostra as presas. A pelagem está pintada de um vermelho-prateado fosco” (p. 71).
Cada personagem tem sua própria personalidade que, em alguns, ficam marcadas até o final do livro. Em outros, é mais passageira. Por ser uma obra curta não há muitas possibilidades de trabalhar a construção e a evolução de cada um, portanto King apenas tange suas principais características e seus dramas de forma rápida – mas nem por isso superficial. Alguns são mais difíceis de discernir que outros. O pastor da cidade, por exemplo, parece ter uma forma fixada de entender as coisas e sua visão nem sempre é muito clara. Já Marty, o que mais me encantou, é um dos personagens que mais se destacam, é um simples garotinho de dez anos cuja complexidade é passada em poucas páginas.
Esta é a segunda edição que faz parte da Biblioteca Stephen King (a primeira foi Cujo), selo criado pela Suma de Letras. A ideia é publicar obras clássicas do escritor em capa dura (nesse mesmo estilo que pode-se observar nas fotografias) e com conteúdo adicional. Neste caso, a inovação foi com as ilustrações. Na obra original, elas já estavam presentes – feitas em 1983 por Bernie Wrightson, um dos desenhistas mais famosos dos quadrinhos (tendo trabalhado com King outras vezes e inclusive em séries do Homem-Aranha, Batman e Justiceiro). Antes, a única versão disponível no Brasil era pocket (de bolso), além de ser antiga. Hoje, a Suma investiu no trabalho das ilustrações, elevando assim, um dos pontos altos do livro, e convidou vários ilustradores brasileiros para mostrar – através dos desenhos – seus pontos de vista sobre a história. Ainda trouxe uma nova tradução e lindos destaques entre os capítulos. O livro está impecável e é um orgulho ter mais uma edição deste selo na estante.
Apesar de ter apenas 149 páginas, A Hora do Lobisomem é daqueles feitos para serem lidos de uma só vez, como um grande conto. Com uma linguagem rápida e capítulos curtos, dificilmente é um dos livros mais aterrorizantes do Mestre do Terror, mas ainda assim tem a capacidade de surpreender os mais variados leitores – desde aqueles que já são inteiramente fãs de Stephen King, até os que nunca leram nada de sua autoria. Mesmo com as características descrições frias das carnificinas, pode-se considerá-lo um livro leve para os parâmetros de King. De qualquer forma, é difícil não mergulhar na história e não se deixar encantar pelas ilustrações que tornam tudo mais palpável – e até supre perfeitamente bem a ausência de maiores aprofundamentos no enredo.
Primeiro parágrafo: “Em algum lugar lá do alto, a lua brilha, gorda e cheia — mas aqui em Tarker’s Mill, um nevasca de inverno sufocou o céu com neve. O vento sopra com força pela deserta avenida Center; os limpadores de neve laranja da cidade já desistiram faz tempo”.
Melhor quote: “As nuvens se abrem. A lua cheia surge entre as remanescentes. O gelo que cobre a rua principal brilha como osso morto. Nessa noite, todos na cidade ouvem um uivo”.